Acredito que
até hoje a igreja católica tem como suas datas e seus eventos mais importantes
o Natal e a Semana Santa. Na minha época de Penápolis e do Santuário São
Francisco de Assis de Penápolis não era diferente. Só que com muito mais ênfase
e devoção. E as festas tinham climas completamente contrários. Enquanto no
Natal o espírito era de festa, de comemoração e de alegria, a Semana Santa era
pautada pela tristeza e recolhimento pois vivenciava o sofrimento e a morte de
Nosso Senhor Jesus Cristo e só mudava o comportamento das pessoas no sábado da
aleluia com a ressurreição de Cristo.
A Semana
Santa era precedida, durante os quarenta dias da quaresma, pelas “vias sacras”
que passavam pelas 14 estações do cominho de Cristo até o monte do Calvário
onde foi crucificado e que eram realizadas todas as quartas e sextas feiras.
Mas os rituais propriamente ditos começavam sempre no Domingo de Ramos, evento
que marcava a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém quando os devotos forravam
o chão e sustentavam ramos de palmeiras saldando a passagem do filho de Deus.
Na minha cidade o grande encontro era, como sempre, na missa solene das dez,
onde os fiéis aguardavam, na entrada da igreja portando os ramos nas mãos, a
entrada do celebrante e dos seus assessores. Depois a missa com a bênção dos
ramos.
Durante toda
a quaresma, a igreja procurava demonstrar um clima de recolhimento e tristeza,
preparando as pessoas para os acontecimentos da santa semana. Eram retirados
todos os enfeites e flores, diminuíam-se as luzes e até as velas e, uma coisa
que sempre me impressionou, todas as imagens e quadros eram cobertos por panos
roxos que só eram retirados na missa da Aleluia durante o Glória. Os paramentos
usados pelos padres celebrantes das cerimônias eram todos roxos
Depois da
Missa de Ramos, acontecia a Via Sacra solene na quarta feira santa. Na quinta
feira à noite era celebrado o concorrido “Lava-pés” onde o celebrante, entre
orações e homilias, lavava e enxugava os pés dos coroinhas. E nós, os
coroinhas, durante todos aqueles eventos mantínhamos um tom de referenciamento,
muito compenetrados e até orgulhosos pela convicção de estarmos servindo ao
Senhor.
Na Sexta
Feira Santa, exatamente às três horas da tarde, hora presumida do fato real,
era guardada a morte de Jesus Cristo. A partir daí tudo era silêncio, tudo era
recolhimento e orações específicas. De hora em hora, até a madrugada de sábado,
grupos previamente constituídos faziam a chamada “hora de guarda” junto à
imagem do Cristo morto, com orações e cânticos especiais da época.
Nós coroinhas
naqueles dias não saíamos da igreja. Ali permanecíamos para atender as pessoas,
auxiliar em algum arranjo de última hora e assessorar os padres nas
celebrações. Sempre tudo em Latim. E nos sentíamos muito importantes e
destacados.
E depois
vinha o Sábado da Aleluia. Os horários sagrados que depois foram sendo mudados
para atender as conveniências de uns e de outros. A Missa da Aleluia que tinha
um charme especial porque trazia de novo a alegria, com a ressurreição de
Cristo no terceiro dia de sua morte, ou seja, na madrugada do domingo, começava
às 23h45 para que o “Gloria in Excelsis Dei” se desse exatamente à meia noite.
E à meia
noite era uma festa só, era uma alegria incontida de todos os presentes de numa
igreja súper lotada onde ninguém reclamava do calor do verão interiorano.
Naquele momento, quando o padre celebrante pronunciava a oração do “glória”, os
coroinhas tocavam as sinetas do altar, alguém já previa e estrategicamente
colocado tocava o carrilhão da igreja enquanto outros fiéis, no pátio fronteiriço,
soltavam fogos de artifícios. O Francisco Sacramento com os senhores Benedito
Faleiros e José de Castilho Lima, todos da Irmandade do Santíssimo, com uma
haste comprida percorriam rapidamente o Santuário, descobrindo todas as imagens
e quadros dos santos e mártires, que estivem cobertos durante toda a quaresma.
Terminava a
missa, todos se cumprimentavam com muita alegria desejando feliz Páscoa para o
domingo que se seguia e retornavam para casa, em grupos falantes e até mesmo
cantantes pelas ruas semi-iluminadas de então.
Para nós
coroinhas, a festa continuava ali mesmo. Nas laterais do Santuário havia dois
corredores fechados que levavam as pessoas da entrada até os fundos sem passar
pela nave da igreja, e que eram mal iluminados pois só eram utilizados durante
o dia. Planejadamente e com antecedência, após a cerimônia nos deslocávamos
para aquele local portando velas, comidas e bebidas e uma das diversões da
época: jogo de futebol de botões. E ali permanecíamos até o
raiar do dia, comendo, bebendo e jogando botões, cada um com seu time preferido
e colorido. Ninguém tomava bebida alcoólica nem fumava. E essa era uma das
grandes aventuras para os adolescentes da década de cinquenta.